“Não existem modelos apropriados para que o Brasil atinja o possível nível de primeiro país tropical desenvolvido do mundo. O país talvez seja o que tem melhor condição de inventar um novo modelo sustentável, de longo prazo e baseado em recursos naturais renováveis, a fim de superar o desafio de se tornar o mais economicamente limpo no mundo”, disse Carlos Nobre, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).As afirmações soaram como palavras de ordem durante a conferência “Mudanças climáticas e o Brasil: por que devemos nos preocupar”, ministrada por ele na terça-feira (15), na 60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Campinas. Ordem por ter sido dita à comunidade científica, que, segundo ele, deve ser a protagonista da criação desse novo paradigma.“Se o Brasil optar por esse novo modelo de desenvolvimento, a invenção deve começar dentro da universidade. O país tem muitas possibilidades para não só atingir o estágio de liderança ambiental mundial como também servir de modelo para todos as nações tropicais que se preocupam com a adaptação às mudanças climáticas, que são inequívocas, irreversíveis e estão se acelerando”, destacou.Além das inércias físicas que tornam irreversíveis os efeitos do aquecimento global, Nobre considera que o grande desafio de mitigação do aumento da temperatura mundial não pode ser visto separadamente das questões de desenvolvimento, pois depende do melhor entendimento do que chamou de “inércia institucional”, que inclui o tempo que se leva para os países tomarem uma decisão e investirem em uma ação eficiente para reduzir as emissões.“Estamos muito longe de ter controle das emissões futuras de gases provenientes dos combustíveis fósseis. O Brasil não contribui significativamente com esse tipo de emissão, mas emitimos muito devido ao desmatamento, que responde por aproximadamente 75% das emissões brasileiras de dióxido de carbono”, disse.“Cerca de 16% das emissões globais hoje vêm do desmatamento e, para a atmosfera, não faz diferença a origem da molécula, ela se aquece do mesmo jeito. Por isso, o Brasil precisa com urgência de uma mudança de política agrícola que seja acompanhada de incentivos para a modernização tecnológica em todos os setores. Se isso não ocorrer, as taxas de desmatamento continuarão altas”, apontou.Segundo ele, não existe solução simples para retirar os gases que estão na atmosfera e que continuarão aquecendo a superfície terrestre por séculos. Alguns cálculos indicam que o custo para retirar os gases emitidos pelo homem na atmosfera, se isso fosse possível, seria equivalente a pelo menos dez vezes o Produto Interno Bruto (PIB) mundial.Nobre destacou o crescimento, mesmo com todas as discussões e restrições obtidas com a Convenção do Clima e com o Protocolo de Kyoto, das emissões de gases estufa de 1,3% ao ano na década de 1990 para os atuais 3,3% ao ano. “A concentração de gás carbônico na atmosfera aumenta a 1,9 partes por milhão por ano. Estamos indo completamente na contramão, enquanto os extremos climáticos estão ficando cada vez mais freqüentes”, alertou.Segundo ele, cerca de 65% das causas do aumento de gás carbônico na atmosfera são atribuídas ao aumento das atividades econômicas globais. “São poucos os países que têm diminuído as emissões, como Alemanha e Grã-Bretanha. Por outro lado, a China inaugura, em média, uma termelétrica movida a carvão por semana”, disse.O fator mais preocupante é que os sumidouros naturais desses gases, representados sobretudo pelos oceanos e florestas, têm visto sua eficiência diminuir. “Essa é uma questão teoricamente sem controle que faz com que, gradativamente, tudo o que seja emitido fique na atmosfera, complicando ainda mais o problema”, afirmou.Outros 17% do aumento ocorrem por conta da deterioração da intensidade de carbono. “Isso significa que o gráfico das emissões necessárias para produção de uma unidade de PIB está piorando, principalmente por conta do aumento das emissões da China e Índia”, apontou Nobre, que foi o primeiro coordenador geral do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), criado em 1985.Terras inundadas - Como cabe à ciência quantificar os riscos sistêmicos do aquecimento global, Nobre citou um limite que, segundo ele, torna impossível voltar atrás. “Supõe-se que já tenhamos cruzado vários limites irreversíveis, mas de um temos total certeza, que é o do gelo flutuando no oceano Ártico. Todas as projeções atuais indicam que até 2050, talvez antes, não haverá mais gelo no fim do verão no Ártico”, disse.“Mesmo que a humanidade pare de emitir gases estufa, não há mais maneira de recuperar o prejuízo. É por isso que o urso polar certamente desaparecerá. Ele poderá sobreviver em zoológicos, mas não mais na natureza”, lamentou.O pesquisador ressaltou que o gelo absorve cerca de 70% da radiação solar e, conforme a quantidade de gelo diminui, o volume de água que entra no oceano faz com que a água do mar seja aquecida, o que acelera o derretimento das geleiras que sobram.Nobre, que participou da elaboração dos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), chamou a atenção ainda para a grave situação de países como a Holanda, por conta do risco acelerado de derretimento das geleiras da Groenlândia, onde se encontra armazenada quantidade suficiente de gelo que, se derretido, aumentaria de seis a sete metros o nível do mar.Calcula-se que, com a situação atual, levaria de dois a três mil anos para todo o gelo da Groenlândia derreter. “Mas, recentemente, os glaciologistas mostraram um risco muito grande de esse processo ser superacelerado pelo que chamamos de ‘instabilidade dinâmica’, que é quando a água derretida no verão desce muito mais rápido por fissuras na geleira”, explicou.“Se isso ocorrer, pelo menos 50% do gelo da Groenlândia chegaria ao oceano derretido entre 100 e 200 anos, o que aumentaria o nível do mar em até 3,5 metros. Isso seria suficiente para cobrir cerca de 40% do território holandês”, disse.Os glaciologistas estimam uma probabilidade de 10% a 15% desse fenômeno no país europeu ocorrer, o que segundo Nobre é um risco sistêmico enorme. Para efeito de comparação, o nível do mar do planeta subiu 17 centímetros no século 20 por conta do derretimento das geleiras.Ao falar sobre um dos dilemas também apontados pelo IPCC, de que em um mundo desigual as mudanças climáticas aumentarão ainda mais as desigualdades, Nobre lembrou uma máxima do líder pacifista indiano Mahatma Gandhi (1869-1948), que dizia que a terra fornece o suficiente para as necessidades, não para a cobiça dos seres humanos.Segundo Nobre, isso serve de alerta à sociedade brasileira para o fato de que as regiões e extratos sociais que menos contribuem para o aquecimento global, como África, o sul da Ásia ou o Brasil, que são muito vulneráveis às mudanças do clima, são os que deverão pagar o maior preço.“Essa questão ética e de justiça global não pode ser abandonada na invenção de um novo modelo sustentável brasileiro”, disse Nobre, que também é o atual presidente do Programa Internacional da Geosfera-Biosfera (IGBP, na sigla em inglês). (Fonte: Thiago Romero/ Agência Fapesp)
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