sexta-feira, 18 de julho de 2008

Lei da Mata Atlântica não incide sobre toda a região indicada do bioma

Luciano Pizzatto (*)


Em depoimento na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara Federal, o especialista do Ministério do Meio Ambiente (MMA), João de Deus, representando a pasta, relembrou aspecto que vem sendo esquecido sobre a abrangência da Lei da Mata Atlântica: ela não incide em toda região descrita como do Bioma da Mata Atlântica!

Um susto para alguns, mas foi exatamente esta a intenção quando o substitutivo original foi aprovado, em uma grande negociação com ONGs, Governo e outros setores, e depois mantido na continuidade da tramitação e aprovação final.

O artigo 2. da Lei 11.428/06, que define os limites do domínio do Bioma Mata Atlântica, descreve a possibilidade de serem inseridos como tal diversos ecossistemas desta região (e os limites são o do mapa de Biomas do IBGE e não o do mapa de ecossistemas). Com isto, muitos foram induzidos a acreditar que a Lei se aplica a toda esta imensa região de forma generalizada, esquecendo que o parágrafo único deste artigo, visando exatamente não gerar um caos e conflitos entre a conservação dos remanescentes florestais e outras atividades, limitou claramente:

“Parágrafo único. Somente os remanescentes de vegetação nativa no estágio primário e nos estágios secundário inicial, médio e avançado de regeneração na área de abrangência definida no caput deste artigo terão seu uso e conservação regulados por esta Lei."

Portanto, todos os conflitos que vêm se originando em áreas agrícolas, plantios florestais, cidades, mineração e outros não podem ser tratados à luz da lei 11.428/06, aplicando-se no caso as disposições gerais do Código Florestal 4.771/65, como de fato deve ser, no critério da integridade nacional e do principio da eqüidade. Isto inclui a conservação de espécimes que não formem vegetação nos critérios da Lei ou estejam entre outras culturas, não tratados portanto pela Lei da Mata Atlântica, salvo se tratar de vegetação em um dos estágios definidos e já caracterizados pelo CONAMA.

Buscando a origem da razão deste parágrafo único, o relatório aprovado na CMADS em 1999, base do texto atual da Lei, é claríssimo em sua justificativa:

“3. Definição das áreas de incidência Outro aspecto relevante esclarecido nas audiências públicas, em especial pelos ambientalistas, é de que esta lei não se aplica sobre todo o território de abrangência original dos Ecossistemas Atlânticos, gerando graves problemas na agricultura, cidades, etc. O substitutivo deixa claro que incide exclusivamente sobre os remanescentes de floresta nativa localizada nos Ecossistemas Atlânticos descritos no art. 2., e ainda cria mecanismos como o selo verde e a certificação de origem para produtos que não utilizem áreas de florestas para impedir o uso indevido de barreiras não tarifárias, e especial sobre produtos agrícolas, pecuários e de florestas plantadas.”

O parágrafo e sua intenção foram mantidas no relatório final que se transformou na Lei da Mata Atlântica, e o parágrafo não foi vetado, portando com total eficácia e em plena vigência!

Desta forma, um proprietário rural deve cumprir o Código Florestal Brasileiro, em todos os Biomas do Brasil, em especial quanto APPs e RLs, corte de árvores isoladas etc, e no Bioma da Mata Atlântica, onde existirem formações vegetais nos estágios primários e secundários, aplica-se adicionalmente as normas de proteção - apenas a estas florestas remanescentes - da Lei da Mata Atlântica.

Esta situação nos traz dois alertas importantes:

Primeiro, a necessidade de prestarmos extrema atenção na complexidade do texto completo de uma Lei, antes de sua generalização e principalmente na causa ambiental, se sua regulamentação extrapola a vontade do legislador e de sua autorização legislativa na forma da lei.

Segundo, os instrumentos de conservação tendem a ultrapassar o momento de imobilismo e radicalismo, para garantirem leis equilibradas e passiveis de uso, e no caso, o veto de alguns artigos tem mantido ferida de morte a Lei de Mata Atlântica, pois perde seus fundamentos de conservação, o que, na sua regulamentação, na leitura da justificativa dos relatórios que a aprovaram, é obrigatório para a sua correta interpretação e aplicação.

* Engenheiro florestal, empresário e deputado federal (DEM/PR), membro da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara Federal.

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