As mortes de animais por atropelamento são consideradas hoje a segunda maior causa de perda de biodiversidade da fauna em todo o planeta, atrás apenas da redução de ambientes naturais. No estado do Espírito Santo a construção de uma estrada 'amiga dos animais' busca mudar essa situação.
A rodovia, que corta três unidades de conservação, conta com profissionais que a cada 90 minutos percorrem a estrada recolhendo e identificando os animais atropelados. A intenção é entender os padrões dos acidentes para assim elaborar novas maneiras de lidar com o problema.
Nos Estados Unidos, atualmente, 1 milhão de vertebrados são atropelados por dia nas rodovias do país. No Brasil, apesar de não existirem estimativas sobre o número de animais mortos nessa situação, acredita-se, pela extensão do país e pela existência de muitos ambientes cortados por estradas, que o índice também seja elevado.
Além da morte provocada pelos acidentes, alguns dos principais efeitos das rodovias e ferrovias para a fauna silvestre são a perda, a fragmentação e a perturbação dos hábitats naturais; a poluição; e o fato de as estradas representarem barreiras que podem isolar populações.
Mas os atropelamentos de animais silvestres podem ter conseqüências trágicas também para os humanos. Levantamento feito no Canadá, em 2003, para a Diretoria Canadense para o Transporte Seguro, revelou que, dos 1.253 acidentes envolvendo animais (inclusive domésticos) ocorridos no país de 1996 a 2000, 20 deles resultaram também em mortes humanas.
Os danos materiais decorrentes desses acidentes chegaram a mais de US$ 106 milhões. No Brasil, recentemente, foi noticiada em Goiás, a morte de um motociclista que colidiu com uma capivara. E a freqüência de acidentes deste tipo deve ser alta no território brasileiro.
Programa pioneiro
Apenas uma rodovia brasileira realiza o monitoramento sistemático de animais silvestres atropelados: a rodovia ES-060, conhecida como Rodovia do Sol, que liga Vitória e Guarapari, no Espírito Santo.
O trecho onde o monitoramento é realizado tem 57,7 km e é administrado (sob concessão) pela empresa RodoSol. A coleta dos animais atropelados é feita por inspetores de tráfego da concessionária, que percorrem toda a rodovia a cada 90 minutos, de dia ou de noite, todos os dias do ano.
Entre maio de 2001 e fevereiro de 2007 o programa registrou o atropelamento de 1.222 animais de 171 espécies, como o ouriço-cacheiro e a suaçubóia.
As aves são as que mais morrem na rodovia (44,4% das coletas), mas os números referentes a anfíbios, mamíferos e répteis também são significativos.
Entre as espécies identificadas, 23 tiveram 10 ou mais indivíduos mortos. Somadas, elas perderam 860 indivíduos. Portanto, apenas 13,4% das espécies respondem por 70,3% dos corpos coletados, destacando-se a cobra-d'água e a coruja-buraqueira como as duas espécies mais afetadas.
Foram atropelados de cinco a nove indivíduos de outras 23 espécies (que, juntas, representam 12,9% do total registrado), e um a quatro indivíduos das 125 espécies restantes (somando 16,7% dos indivíduos mortos).
Existe, portanto, significativa concentração de indivíduos mortos em poucas espécies e elevado número de espécies que tiveram poucos indivíduos atropelados.
A Rodovia do Sol apresenta às suas margens diferentes formações florestais e áreas urbanizadas. A comparação entre o número de atropelamentos e as formações florestais mostrou padrões bastante variados, uma vez que há grandes diferenças entre os ambientes naturais ao longo da estrada.
Porém, quando se considera toda a rodovia, percebe-se que o maior número de atropelamentos ocorre nas áreas onde existem ambientes naturais dos dois lados, pois os animais continuam a passar de um lado para outro em suas atividades de busca por alimento, abrigo ou parceiros.
Constatou-se ainda que 58,4% espécies atropeladas (110, do total de 171) são capazes de sobreviver em áreas que margeiam locais ocupados pela população humana, e podem ser encontradas tanto no ambiente natural quanto no urbano.
Para que as espécies silvestres sejam protegidas, é necessário realizar estudos de longo prazo sobre os atropelamentos de animais em estradas. Só assim será possível avaliar a eficácia dos instrumentos de proteção atuais e desenvolver novas técnicas que permitam, algum dia, evitar ou reduzir uma das maiores causas de extermínio da fauna silvestre no mundo e equilibrar a relação das espécies silvestres com os usuários das rodovias.
O Brasil conta hoje com um grupo de trabalho formado por pesquisadores, técnicos do Ibama e outros especialistas, que tem como principal objetivo definir ações prioritárias para diminuir as mortes de animais silvestres e de pessoas nas rodovias brasileiras.
(Fonte: Andreas Kiekebusch / Jornal do Brasil)
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